quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Nossa casa que tinha teto, boa fartura e era assombrada.

Esta é a casa em que eu e meus irmãos nascemos, que fica situada no Bairro Alagoas em Estancia Sergipe. O Bairro Alagoas hoje é populoso, mas quando eu era criança a maior parte era de sítios e foi meu pai que levou o progresso para o Bairro loteando o sitio dele e os vizinhos fizeram o mesmo.

Mas o mais interessante dessa foto é ver o estado da casa que eu vivi até os meus doze anos e pensar o porquê que meu pai era conhecido como uma pessoa rica. Um rico iria morar numa casa dessas com quatros filhos, esposa, avó e avô paternos, duas tias e afilhadas que moravam conosco? Ou a riqueza de 40 anos atrás era considerada diferente de hoje onde as pessoas ostentam carros e mansões?

Naquela época meu pai conhecido como sr Domingos dos Cocos ou Domingos de Birrola, tinha duas caçambas, um caminhão e uma rural , todos os veículos eram usados para o trabalho, para gerar riquezas.

A riqueza da época era ter posses de terras. Você podia morar numa casa como esta , mas se tinha mais de cem tarefas você já era considerado rico.

Esta nossa casa era mal-assombrada, tinha espíritos que nos cutucava a noite e às vezes jogavam pedras no telhado. Benzadeiros e umbandeiros iam sempre lá fazer a limpeza dos maus espíritos. Era um terror viver com os seres invisíveis. Mas tudo bem, eu acho que pior são os vivos, os mortos só queriam se comunicar e a gente que não entendia eles.

Vou fazer a descrição dos cômodos da nossa casa: do lado direito ficava o deposito de coco; na parte central, o escritório de meu pai que tinha um cofre enorme de ferro para guardar o salário dos empregados. Talvez esse cofre foi a origem da fama da riqueza de meu pai. Risos. Todos queriam saber o segredo desse cofre...

Depois do escritório ficava o quarto dos meus pais que tinha uma porta de acesso ao escritório. Depois vinha um quarto pequeno que ficava eu, Nena e Lico. Em seguida a cozinha e sala. Do lado esquerdo da foto era o quarto maior que ficava Tânia, Dita, Tia Selma, Gilda, Maria Jose e os parentes que chegavam( depois dos 10 anos fui dormir nesse quarto, era o mais divertido). O pior de tudo era que os banheiros ficavam no quintal e a noite a gente tinha que fazer uso do penico. Bem diferente de hoje onde todos tem seus quartos e banheiros. Nem todos, infelizmente. 

Nesta época meus avós já tinham se separado, minha vó foi morar na casa de um irmão e meu avô com a outra companheira, eles se separaram quando eu tinha 3 anos e nem sei como era a dinâmica da casa na época deles. Só sei que nessa casa humilde cabia todos os parentes, vizinhos e afilhados. Essa era a maior riqueza de meu pai, agregar a todos. Nunca negou um prato de comida pra ninguém. Ai nessa casa simples tinha fartura de comida e de acolhimento.

Talvez esse estilo de meu pai acolher a todos foi porque ele perdeu a mãe com 9 anos e saiu de casa com 14 anos.  Só Deus sabe o que ele passou. Quantas noites de frios, de fome, de medo e quantas lágrimas ele chorou.

O que sei é que ele morou em Salvador, Minas Gerais, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro e que nessas andanças ele foi acolhido por muitos e nas suas adversidades ele prometeu que sempre iria ajudar o próximo e acolher a todos que faziam parte da sua vida. Claro que neste caminhar ele teve seus deslizes, suas falhas, quedas e derrotas. Mas aí já é outra história porque a desse texto é sobre esta nossa casa tão pobre e que o seu dono era considerado tão rico.

Talvez fosse rico mesmo, pois, o melhor dessa nossa casa era o fundo onde ficava o sitio que tinha goiabeiras, mangas rosas e espadas, laranjeiras, coqueiros, jaca mole e dura, graviolas, jenipapos, milharal, bananeiras, cafezal , plantas e flores.  Essa era a nossa maior riqueza:  viver e brincar no meio da natureza e das suas farturas.

Assim registro a minha saudade da nossa casa que tinha teto, boa fartura e era assombrada...